É uma das vozes da rádio, dos jogos míticos da seleção portuguesa. Nascido e criado em Peso da Régua, Fernando Eurico ainda pensou ser futebolista, mas os seus dotes artísticos acabaram por se revelar aos microfones da Antena 1. “Grita que é golo” é uma imagem de marca nos seus relatos. Grita que é preconceito bem que poderia ser a frase de lançamento desta entrevista concedida a Cátia Azevedo, aluna do curso Técnico de Comunicação/Marketing, Relações Públicas e Publicidade da OFICINA, em torno da igualdade de género, em especial no desporto.
Que evolução notou relativamente ao desporto no que diz respeito à igualdade de género?
Acho que nada é como antes. Já foi muito pior, mas agora julgo que estamos noutro patamar de evolução,porque os tempos também são diferentes, o acesso à informação é muito maior e as próprias equipas do género feminino conseguem ter equipas de comunicação que fazem chegar essa informação, que fazem “vender” essa informação aos órgãos de comunicação social. Nos tempos modernos, era o que faltava ainda vivermos como se estivéssemos na idade média e fazer distinção de géneros. É claro que há desportos em que o género masculino pode ter maior prevalência, mas há outros em que a prevalência é do género feminino. e portanto. Mas no geral, penso que hoje em dia já está tudo muito mais esbatido.
Por exemplo, no jornalismo desportivo as diferenças têm-se esbatido?
Ainda não é o ideal, claro que não, mas progredimos de tal forma nas últimas duas décadas que nada se pode comparar a antes. E isso também se reflete não só no desporto, reflete-se na própria vida. Por exemplo, na redação da Antena 1 nós temos uma jornalista que faz tão bem ou melhor o trabalho de qualquer homem jornalista, e isso espalha-se por outros órgãos de comunicação social. Portanto a questão do género na minha perspetiva já não faz muito sentido ser colocada. Isto porque nos tempos atuais as pessoas conseguem refletir melhor sobre as situações, conseguem perceber talento, inteligência, conseguem perceber todos os atributos que no género feminino as pessoas podem fazer tão bem ou melhor como as do género masculino.
Então esses são os exemplos que vê em relação a quando começou a sua carreira e agora?
Sim, a diferença é gritante porque quando comecei a trabalhar não havia mulheres. Só que isto vai funcionando também por arrastamento. Basta uma pessoa começar a atividade que outras acreditam que podem chegar lá. Cria-se aqui uma bola de neve imparável. Por exemplo no Canal 11, na SPORT TV, na Antena 1, temos colegas jornalistas a fazer o trabalho que antes era impossível. Dou um exemplo. Um um dia uma senhora foi narradora de futebol no Brasil veio cá a Portugal, e eu fiz-lhe uma entrevista e ela perguntou-me se em Portugal existiam pessoas do género feminino a fazer desporto. Eu disse que não, ou melhor disse que estava uma colega que se chama Cláudia Martins a começar essa atividade. E ela fez questão de lhe deixar uma mensagem de incentivo porque ela foi pioneira também no Brasil há trinta ou quarenta anos atrás. Ou seja, no Brasil só os homens é que faziam narrações desportivas e essa senhora fez uma narração e aquilo correu tão bem, foi tão bom, que a partir daí ela conseguiu rivalizar com os nomes mais fortes do género masculino.
Considera que o preconceito ainda persiste?
Penso que os preconceitos ainda existem de forma ténue, mas por exemplo, quando vemos a Telma Monteiro fazer o que faz no Judo, quando vemos a Seleção Feminina de Futebol, que fez o que fez no último campeonato da Europa. Quando vemos agora uma outra judoca nomeada para a judoca revelação do ano. Quando vemos as nossas atletas nos jogos Olímpicos, como a Fernanda Ribeiro anteriormente, outras agora mais recentemente, a própria Rosa Mota, são símbolos que fazem arrastar outras senhoras para poderem fazer aquilo que elas já conseguiram. Portanto, considero que o preconceito vai sempre existir e sobretudo mais nos meios rurais.
Em que ponto considera que a população portuguesa está na importância que dá ao desporto feminino?
Julgo que a importância é extraordinária nesta altura, porque os portugueses sobretudo depois do feito dos homens no Campeonato da Europa 2016. Parece que de repente todos nós criamos a ideia de que Portugal é um país de super homens e também de super mulheres em termos desportivos. E, portanto, todos os feitos são vividos com grande emoção, com grande consumo de informação, com paixão nacional, quase que se confunde se é homem se é mulher, já nem é tão relevante fazer essa distinção do género. E portanto, eu acho que no global a população portuguesa já nem faz essa distinção. Sinceramente, pode haver alguns locais mais recônditos do país onde isso seja complicado, mas globalmente a população portuguesa já não faz essa distinção e vibra com os sucessos de todos e de todas.
Na sua opinião o que é que poderia ser feito para chegarmos à igualdade de género?
Sobretudo é continuarmos este caminho de informação, de abertura, e também de os próprios géneros, seja masculino, seja feminino perceberem que os dois só têm a ganhar, mostrando as capacidades e mostrando que não há diferenças. Antes quem pensaria que as senhoras poderiam jogar tão bem futebol como jogam agora? A verdade é que jogam. A verdade é que a própria FIFA atribui prémios do género feminino nas galas em que realiza, com o mesmo patamar de importância que dá aos homens. Portanto, é continuar com este caminho de informação e sobretudo de abertura dos géneros. Dou sempre como exemplo os judocas masculinos que têm que treinar com outros judocas e quando não há praticam e treinam com mulheres judocas, e o contrário é igual. É um bom exemplo de que mesmo sendo diferentes em termos físicos, podem praticar e podem ajudar-se uns aos outros. É esse o caminho, um caminho mais de cooperação entre os próprios atletas, entre as próprias pessoas do meio social. E, claro, continuar esta onda de informação, porque eu acho que a desigualdade existia muito por desinformação ou por falta de acesso aos eventos. Agora as pessoas já têm montes de televisões especializadas em desporto, têm televisões generalistas e portanto, começamos a perceber que não faz sentido, nem há necessidade de estar a fazer distinção de géneros.
Já presenciou algum episódio ou comentários preconceituosos em relação ao desporto feminino.
Sim, claro que sim, eu acho que toda a gente já sentiu um pouco isso na pele, uns mais, outros menos. Agora, também cabe a todos nós enquanto cidadãos, quando ouvimos esse tipo de comentários, fazer ver às pessoas que não é bem assim, e de lhes explicar que nos tempos modernos é quase ridículo estar a fazer esse tipo de distinções ou de fazer um crivo entre se é do género masculino ou se é do género feminino. Vemos por exemplo, que já começamos a ter senhoras a arbitrar jogos de futebol. É claro que levam sempre aquelas bocas machistas de alguns menos consciencializadas para essa diferença. A verdade é que elas estão a arbitrar, as senhoras, estão a ter confiança das altas instâncias internacionais, e portanto, claro que isso vai acontecer sempre, como costumamos dizer, tem que haver sempre alguém a ser a ovelha ranhosa.
Porque razão nos últimos anos há mais mulheres a entrar na área do desporto?
Talvez porque também houve aqui algum trabalho das instâncias que tutelam o futebol e no caso específico a Federação Portuguesa de Futebol que na minha opinião está a fazer um trabalho extraordinário a esse nível. Mas julgo que nos próximos anos os números vão ser muito mais surpreendentes, porque se é verdade que a prática da atividade física é muito importante, a competição também, e as mulheres não são menos competitivas que os homens. Provavelmente, até podem ser muito mais competitivas, e como eu costumo dizer, elas estão aí, ainda bem, é para ficar, e sobretudo para avançarem ainda mais, é o meu desejo.